Por MARCELO REIS
Fiquei assustado ao (re)vê-lo pela primeira vez, depois de seis anos (só tive contato com ele até o meu primeiro ano de vida). Nós tínhamos uma picape que era usada nas viagens familiares, onde, na época, cabia quase metade da família. Foi atrás desse veículo que eu e minha irmã nos escondemos assustados, temerosos, por não saber muito bem como nos apresentar ao nosso pai.
| BRILHO ETERNO DE UMA MENTE SEM LEMBRANÇAS: Pequena obra prima do cinema no século XXI
Depois de um tempo, já estávamos jogando bola no quintal de casa e destruindo as samambaias de minha vó, a cada jogada errada (e na visita seguinte, vinha meu pai trazendo a tiracolo uma outra samambaia para repor a destruída).

Lembro também de ir consertar a bicicleta com ele algumas vezes na galeria que ficava perto de casa, local onde trabalhava o meu barbeiro e, principalmente, eu e minha irmã “zinha” tentando tirar os maços de cigarro dele para jogá-los fora.
São poucas lembranças que tenho de meu pai, mas continuam muito vívidas em minha memória do pouco tempo que tivemos mais próximos (entre 1986 e 1987).
Em outubro 1993, com quase 14 anos (faço aniversário no fim de dezembro), vejo na televisão a notícia de que o ator que fazia Indiana Jones na juventude (no filme Indiana Jones e a Última Cruzada), River Phoenix, morrera aos 23 anos, vítima de overdose numa noite de Halloween. Fiquei em choque, passei mal, não por ser fã dele (mal o conhecia a época), mas pelo fato de alguém tão jovem ter morrido. Meu pai, seis anos antes morrera aos 26. River Phoenix, aos 23 anos em 1993.

Acredito que, pelo fato de ter sete anos na época da morte de meu pai, eu não tinha consciência sobre a morte e de quão jovem ele era quando partiu.
Só seis anos depois, com a morte de uma celebridade que, talvez, eu tenha compreendido, enfim, o peso da morte e da perda.
Analisando atualmente, acredito que quando somos crianças, a gente não perceba o quanto os nossos pais possam ser jovens, despreparados para a jornada maternal/paternal da criação e do quanto abdicam de planos, sonhos e do quanto abrem mão de sua individualidade para nos criar. Só percebemos que eles são humanos, gente como a gente quando crescemos ou quando repetimos o ciclo iniciado por eles.

O título dessa crônica remete ao filme Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças, dirigido por Michel Gondry e escrito por Charlie Kauffman (Sinédoque, Nova York), mas não é à toa. Ao contrário da obra de Gondry e Kauffman, onde o protagonista vivido por Jim Carrey resolve contratar um serviço para ajudá-lo a apagar as memórias que tem da ex-namorada (a fim de esquecer a desilusão amorosa), acredito que devemos manter as reminiscências das perdas que tivemos ao longo da vida, mas também das cicatrizes no corpo, na alma e no coração.
Afinal, é um pouquinho de cada uma dessas dores (e as alegrias, também, é claro) que nos torna quem somos e nos faz únicos, em vivências, aprendizados e erros. Enfim… nos torna humanos.

MARCELO REIS nasceu no finalzinho dos anos 70. É jornalista por formação, assistente administrativo por ocupação e cinéfilo de coração. Apaixonado por cinema desde os 13 anos (quando uma cirurgia o obrigou a ficar seis meses de cama), tem um carinho todo especial por musicais, dramas, comédias românticas (Harry & Sally – Feitos um para o Outro é sua favorita), romances e filmes do Woody Allen. Quase sempre, se identifica do lado de cá com algum(a) personagem da telona ou da telinha. É colaborador dos sites Histórias do Cinema e CineZen Cultural e integra a equipe de produção do Santos Film Fest – Festival Internacinoal de Cinema de Santos.