Por ANDRÉ AZENHA
Anos 90. Homem-Aranha alcançava grande popularidade além das histórias em quadrinhos graças à série animada da televisão. Uma adaptação para o cinema era questão de tempo. Desde a década anterior, o personagem se viu envolto em brigas judiciais entre estúdios e filmes que quase saíram dos papéis por nomes como a Cannon, produtora de produções de qualidade duvidosa, do quarto Superman com Christopher Reeve e longas de Chuck Norris e outras “preciosidades”. Até James Cameron tentou levar o herói às telonas. Ainda bem que nenhuma tentativa vingou – os roteiros eram ruins.
| A história do Homem-Aranha no cinema
Até que, em 2002, a Sony conseguiu os direitos. Dois anos antes, X-Men: O Filme iniciara a retomada dos super-heróis nos cinemas traçando um padrão de qualidade que nortearia diversos estúdios dali em adiante. Homem-Aranha estreou em 3 de maio nos EUA. Chegaria ao Brasil dia 15 do mesmo mês. E deu continuidade à transformação começada em 2000, mas com algumas diferenças: trazia uma trama sem pudor em soar colorida, diferente dos colantes de tons sóbrios utilizados pelos mutantes, e escudada por um grande orçamento à época: US$ 139 milhões. O resultado: primeiro blockbuster a alcançar a marca de US$ 100 milhões no fim de semana de estreia, mais de US$ 821 milhões arrecadados mundialmente e recepção positiva da crítica. Deu certo por que reuniu um time experiente atrás das câmeras e soube escolher quem apareceria na tela.

Sam Raimi, dos cults Uma Noite Alucinante: A Morte do Demônio (1981) e Darkman: Vingança Sem Rosto (1990) conduziu o projeto mesclando grandes cenas de ação, drama, algum humor, romance, fidelidade aos quadrinhos e um bom elenco de jovens: Tobey Maguire (Peter Parker/Homem-Aranha), Kirsten Dunst (Mary Jane), James Franco (Harry Osborn) formaram o triângulo amoroso. Joe Manganiello teve sua primeira chance no cinema como Flash Thompson. O “teioso” foi colocado frente a frente com seu principal algoz, o Duende-Verde, vivido pelo sempre competente Willem Dafoe. J.K. Simmons fez o editor do jornal Clarim Diário, J. J. Jameson. Nomes escolhidos após diversos intérpretes sondados e cogitados. John Malkovich encontrou Sam Raimi e era considerado para dar vida ao vilão. Leonardo DiCaprio, Scott Speedman, Jay Rodan e o próprio James Franco ou se interessaram em encarnar o Amigão da Vizinhança ou foram pretendidos pelo estúdio. Stan Lee disse gostar de John Cusack no papel principal. Elizabeth Banks participou do teste para Mary-Jane antes de ser escolhida como Betty Brant. J. J. Jameson poderia ter sido interpretado por R. Lee Ermey , Hugh Laurie (da série House), Harve Presnell , Dennis Farina, Michael Keaton (o Batman de Tim Burton), Fred Ward ou Bill Paxton.
A trilha sonora ficou a cargo de Danny Elfman, responsável por trabalhos celebrados na franquia Batman. O roteiro de David Koepp entrega uma boa trama de origem, fiel em boa parte ás histórias em quadrinhos, principalmente àquelas produzidas pelos criadores deste universo Stan Lee e Steve Ditko em 1962. Foi o quarto roteiro de Koepp a bater recorde de bilheteria do fim de semana de abertura após Jurassic Park: O Parque dos Dinossauros (1993), Missão: Impossível (1996) e O Mundo Perdido: Jurassic Park (1997).

Quando mordido por uma aranha geneticamente modificada, um estudante nerd, tímido e desajeitado do colégio ganha habilidades semelhantes a aranhas. Ele eventualmente deve usá-las e combater o mal como super-herói depois que uma tragédia abala sua família. Nos identificamos de certa maneira com Peter Parker: ele precisa se virar para pagar as contas, faz “frila” de fotógrafo, entrega pizzas. É órfão dos pais e criado pelos tios.
Curiosamente Raimi e Koepp também beberam na fonte da editora concorrente da Marvel, a DC: a história presta reverência ao filme dos filmes de super-heróis: Superman (1978), de Richard Donner. Vemos Peter Parker abrindo a camisa com o uniforme do Cabeça de Teia aparecendo tal qual víamos Clark Kent antes de se transformar no Último Filho de Krypton. Há, até, uma brincadeira com a famosa frase: “É um pássaro, é um avião?…”. Prova de que o clássico estrelado por Christopher Reeve no fim dos anos 1970 é o filme definitivo, a enciclopédia, o “bê-á-bá” dos super-heróis nas telonas. Os irmãos Russo diriam que se inspiraram nele para criar suas superproduções da Marvel e Patty Jenkins praticamente repetiu seu roteiro em Mulher-Maravilha (2017). Quando bem adaptado ao seu tempo, aquele Superman nos pega de jeito. Bryan Singer não soube fazer essa atualização em seu Superman, o Retorno (2006).

Não foi a primeira versão do Homem-Aranha em live action. Antes existiu a versão tosca protagonizada por Nicholas Hammond (um dos filhos do Capitão Von Trapp no clássico A Noviça Rebelde) em 13 episódios divididos em duas temporadas da rede CBS entre setembro de 1977 e julho de 1979. Cada história tinha uma hora de duração. Eram exibidas em dias e horários diferentes, como especiais. Foram lançadas, em outros países (Brasil inclusive), no formato de longa-metragem. São esquecíveis.
Mas Tobey Maguire não. Até hoje milhões de fãs se lembram de seu Homem-Aranha e ainda há quem torça pelo seu retorno à franquia. Teve uma continuação superior em 2004 e um terceiro filme exagerado: os produtores quiseram acrescentar diversos vilões. Sam Raimi não gostou da imposição e deixou a saga. Depois da trilogia rolaram os dois filmes com Andrew Garfield (2012 e 2014), mais sombrios e cujos faturamentos não agradaram à Sony. No entanto, a importância do Homem-Aranha de Sam Raimi é inestimável. Os filmes não soam datados. Ainda divertem. Apresentou efeitos visuais convincentes, se tornou fenômeno e mostrou o caminho aos demais estúdios que pretendiam arrebatar multidões pelo planeta. Em 2008 surgia o Marvel Studios, que entendeu a receita e dominaria o mundo, outros Homens-Aranhas chegariam aos cinemas. O resto é história.
Homem-Aranha
Spider-Man.
Estados Unidos. 2002.
Direção: Sam Raimi.
Com Tobey Maguire, Willem Dafoe, Kirsten Dunst, James Franco, Cliff Robertson, Rosemary Harris, J.K. Simmons, Joe Manganiello, Elizabeth Banks.
121 minutos.





