Texto de 2005.
Será que o brasileiro tem dimensão do que foi a Bossa Nova e as mudanças musicais surgidas a partir de então? Bossa Nova é um estilo musical ou foi um movimento? O que veio antes: o ovo ou a galinha? Para quem quer tentar compreender o que aconteceu entre os anos 50 e os 60 – e que serviu para colocar de vez o Brasil no mapa musical do planeta – o documentário Coisa Mais Linda (nome em homenagem à música homônima de Carlos Lyra e Vinícius de Morais) pode abrir os olhos. Dirigido e roteirizado por Paulo Thiago, o filme busca retratar fielmente os acontecimentos que levaram ao surgimento da Bossa Nova até seu auge.
A maior parte da produção é narrada pela dupla Carlos Lyra e Roberto Menescal. Os dois contam como se conheceram no colégio, como surgiram as batidas – na bossa nova existem vários “tipos de batida”, e cada músico possui seu “estilo” – e que também ainda apresentam algumas músicas. O filme é um verdadeiro bálsamo visual e auditivo para quem gosta de Tom Jobim, João Gilberto e seus companheiros, mostrando fotos de arquivos e imagens de apresentações antológicas, desde os bares do Rio de Janeiro até a grande aparição no Carnegie Hall (quando a Bossa Nova ganhou os Estados Unidos).
É possível notar o brilho no olhar em depoimentos marcantes de feras da época a exemplos dos próprios Lyra e Menescal, de Johnny Alf, Billy Blanco, João Donato, Oscar Castro Neves, Bebeto, Leny Andrade, Wanda Sá, entre outros, e ainda a opinião de gente como Nélson Motta, o cineasta Cacá Diegues, o jornalista Tárik de Souza e até de Miele (que organizava shows). Os ambientes escolhidos para as declarações são casas noturnas da época (que resistiram ao tempo) e residências e apartamentos onde ocorreram os encontros que ajudaram a forjar o movimento (sempre no Rio de Janeiro).

Os fatos são narrados passo a passo, explicando como os personagens foram apresentados uns aos outros, como nasceram inúmeras canções, a revolução dos diminutivos de João Gilberto (que abusava nos “inhos” nas canções) e de onde vieram as influências. Destaque para o emocionante depoimento de Paulo Jobim (filho de Tom), que retrata a figura paterna de maneira simples, gentil e emocionada. E também quando Roberto Menescal recorda o dia que conheceu João Gilberto, que invadiu uma festa de aniversário em sua casa, e Roberto, ao ficar sabendo de quem se tratava, passou dias e dias pelo Rio de Janeiro ao lado do compositor baiano.
Entre as afirmações, todos garantem que a Bossa Nova não é uma imitação do jazz e há reverência às figuras de Tom Jobim e João Gilberto. Ambos aparecem tocando em um verdadeiro deleite para o espectador.
Ainda sobra tempo para homenagens merecidas para Nara Leão e Vinícius de Moraes (reverenciado em Vinícius) e não faltam shows e cenas antológicas. Tudo bem enquadrado e com a trilha sonora mais do que espetacular. E dá-lhe Garota de Ipanema, Chega de Saudade, Corcovado, Ah! Se Eu Pudesse, Influência do Jazz e muitas outras. Para não ficar só nas gravações de época, alguns músicos se apresentam exclusivamente para o filme.
Além de tudo, Coisa Mais Linda mostra como surgiu a ideia do violão mais o “banquinho”, mas que não era só isso. Em alguns casos havia um bom piano acompanhando contrabaixo e bateria. Para quem não entende nada do assunto, essa obra consegue ensinar o que foi a Bossa Nova. Para quem gosta e conhece, se torna uma diversão garantida, já que os antigos ídolos reaparecem (no cinema à época foram vários os comentários do tipo: “Olha como ele está!”) e a nostalgia abraça corações e mentes.
Para aqueles que acham que a Bossa Nova é “coisa de velho” ou uma “coisa chata” e roqueiros que torcem o nariz para música brasileira, vale lembrar que os caras do Stones Templo Pilots, os Beastie Boys e até mesmo o ex-Nirvana Dave Grohl (In Hour Honor, álbum do Foo Fighters, tem uma baladinha chamada Still que lembra bem a nossa bossa) curtem a música tupiniquim e tiveram influência do nosso cancioneiro em algum momento de suas carreiras.
O filme ganhou o Lente de Cristal de Melhor Som e o Troféu Orgulho de Ser Brasileiro, no Festival de Cinema Brasileiro de Miami , e foi eleito o melhor Filme – Voto Popular, no Festival de Cinema Brasileiro de Paris.
Coisa Mais Linda
Brasil, 2005.
Direção e roteiro: Paulo Thiago.
Com Carlos Lyra, Roberto Menescal, Johnny Alf, Billy Blanco, João Donato, Oscar Castro Neves, Bebeto, Leny Andrade, Wanda Sá, Nélson Motta, Cacá Diegues, Miele.
126 minutos.
